MONUMENTO
À PAZ
Implantado no largo central da alameda do maior parque urbano do concelho de Almada, o Parque da Paz, o Monumento à Paz é um objeto artístico incontornável da cidade.
Aqui, poderás aprender sobre esta obra, sobre o seu tema e autor, e sobre a importância que tem na história cultural do concelho.
A OBRA
Autor: José Aurélio
Inauguração: Passagem de ano de 1999 para 2000
Material: Aço corten
Dimensão: Extensão máx. 42m; altura máx. 26m; largura máx. 15m
MONUMENTO À PAZ
Encontramos esta escultura num espaço amplo e arborizado, a qualificar um largo central do parque urbano onde confluem vários percursos.
O conjunto aparece-nos como um jogo de volumes lineares contorcidos. Vamos tentar descrevê-lo.
A partir de um eixo central, soltam-se longas lâminas de aço corten que se expandem no espaço em movimentos ondulantes e rápidos, ocupando-o de forma rebelde. Estes elementos formais adquirem perfis e direções diversificadas, sendo uns mais enrolados, outros mais desdobrados, uns unindo-se e desunindo-se, alguns aglomerando-se enquanto outros se desassociam. Ao centro, de onde partem estes braços, nasce o único que se projeta ascendentemente, como um pináculo.
Por um lado, este enleamento de formas é percecionado como leve, de dinâmica delicada e harmoniosa. Por outro, a firmeza e dimensão da chapa de aço facilmente lembram força, gravidade e ímpeto energético.
A circulação dentro desta composição faz-se rodeado de superfícies planas que nos parecem envolver e desnortear. Alguns volumes, transversais às lâminas principais, sugerem a funcionalidade de bancos.
Estes aspetos da experiência de contacto com a obra pelo passeio dentro ou à volta dela são algo que nos reporta a uma frase do artista, onde este afirma que quando ocupa «um espaço público com a resposta a um problema que me foi posto, interessa-me que ele seja resolvido de maneira a que as pessoas possam partilhar dele» (“Uma conversa na Quinta da Preta”, In, AAVV:2001).
Destituída de qualquer verismo naturalista ou mimético, a escultura é na sua totalidade, abstrata. Inclui-se no movimento que se faz sentir em Almada sobretudo a partir de 1994 de preferência por figurações menos naturalistas, definitivamente libertas de tradicionalismos. Isto coaduna-se com a utilização de novas linguagens, técnicas e dos materiais.
O monumento está assinado e datado com a seguinte inscrição: “José Aurélio 98/99/Metalruda”
Relativamente ao estado de conservação, a peça apresenta na superfície uma patine decorrente da oxidação natural do aço corten, alguns vestígios de humidade, e uma diversidade de marcas inscritas e autocolantes à altura do corpo humano.
Fotografia: Catarina Pé-Curto
O LOCAL
Aqui podes conhecer melhor a localização da obra e o seu espaço envolvente.
PARQUE DA PAZ
O Monumento à Paz está instalado no Largo central da alameda do Parque da Paz, situado entre a zona da rotunda do Centro-Sul e o Bairro do Chegadinho, freguesia do Feijó.
arte do terreno do Parque da Paz pertenceu a uma das inúmeras propriedades rurais da região - a Quinta do Ministro. É nos edifícios desta quinta que está instalado o Gabinete que gere o Parque.
O Parque da Paz é um espaço verde com 60 hectares, projetado pelo arquiteto paisagista Sidónio Pardal. A ideia de construir um parque urbano, como pulmão da cidade de Almada, desenvolveu-se a partir da necessidade de criar uma bacia de retenção de águas, para evitar as cheias frequentes na Cova da Piedade. Com esse fim, foi construído o lago artificial onde hoje nadam patos, gansos e cisnes.
O Parque é habitado por uma fauna variada que inclui aves, mamíferos, répteis e insetos. A flora é abundante, tanto a nível de árvores, como de arbustos e ervas. Além das espécies autóctones, foram introduzidas plantas de outras regiões do mundo, escolhidas por questões estéticas e adaptabilidade às condições do solo.
Áreas diferenciadas de paisagem são percorridas por caminhos pedestres e cicláveis. Em redor de um monte central - Monte Nascente - encontram-se 3 vales: Vale do Estádio, Vale do Chegadinho e Vale da Ponte. Linhas curvas e suaves são cortadas por uma alameda central, ao fundo da qual se encontra o Monumento à Paz. Este é observável de vários ângulos e pode ser atravessado, tocado, vivenciado exterior e interiormente.
Integrado na envolvente do parque encontra-se o estádio municipal José Martins Vieira (ex-presidente da Câmara) e, muito perto, o Museu de Almada - Casa da Cidade.
Fotografia: Catarina Pé-Curto
O AUTOR
Aqui podes conhecer melhor o autor desta obra.
JOSÉ AURÉLIO / ESCULTOR
José Manuel Aurélio nasce em Alcobaça, em 1938. Frequenta o curso de Escultura da Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, altura em que começa a figurar em exposições coletivas. Em 1958 é convidado a trabalhar na Fábrica SECLA, nas Caldas da Rainha, empresa importante na renovação da faiança portuguesa. No ano seguinte efetua uma viagem de estudo a França, Bélgica e Holanda, tendo participado na I Bienal de Paris. Em 1961 participa na II Exposição da Artes Plásticas da Fundação Calouste Gulbenkian e, no mesmo ano, vem a fixar residência em Óbidos, aí instalando o seu atelier. Nesta cidade empreende várias ações de dinamização cultural no âmbito da Associação dos Amigos de Óbidos (1962-1964) e funda a Galeria Ogiva (1969-1974), um espaço de vanguarda e «veículo de contestação», nas palavras do próprio artista. Expõe individualmente desde 1964. É ainda na década de 60 que alarga a sua atividade a novos campos técnico-artísticos, como a medalhística, a joalharia e o design, áreas onde desenvolve intensa atividade expositiva e na qual é reconhecido e premiado. Em 1978-79 desenvolve investigação como Bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian. Durante os anos oitenta exerce docência na ESBAL, onde ensina novas técnicas de fundição.
«Sou um escultor de rua», revela Aurélio, sendo a tipologia pública aquela com que mais se identifica (José Aurélio entrevistado por Rogério Ribeiro, In, AAVV:1989).
A sua produção de escultura pública espalha-se por diversas regiões do país e do estrangeiro. Destacam-se, desta tipologia, as seguintes peças: Monumento Humberto Delgado (1976, Cela Velha); Mão (1976, Óbidos); Padrão do 8º Centenário da Fundação da Abadia de Alcobaça (1978, Alcobaça); Gárgulas da Torre do Tombo (1988, Lisboa); Presépio (Santuário de Fátima, 1999); e Porta de Abril (2001, São Paulo, Brasil).
Executou várias obras integradas em espaços urbanos de Almada, concelho no qual se afirma como referência central da escultura pública no período de 1994 a 2005. São da sua autoria Rei e Rainha (1985-89); Emissor-Receptor I (1985-89); Capricho (1989-92); Monumento ao Trabalho, Poder Local/Populações (1989-93); Elevador da Boca do Vento (1998-2000); Monumento à Paz (1999); Nós e os Outros, (2001); Emissor-Receptor de Ondas Poéticas (2004-2005); Máscaras (2005). A sua íntima ligação com a lógica de promoção do executivo camarário almadense é também discernível tendo em conta a sua coordenação do projeto 25 anos de Poder Local, em 2001. (à página do Poder Local)
Atualmente, reside e trabalha em Alcobaça, na Casa da Quinta da Preta, uma casa-atelier que ocupa antigas instalações rurais de uma granja cisterciense, de paisagem amena. Desenvolve o projeto Armazém das Artes, vocacionado para a promoção e divulgação da cultura em cooperação com as autarquias locais e instituições de ensino de cultura e museologia. Segundo a Câmara daquele município, José Aurélio é uma pessoa simples e discreta, um cidadão muito ativo e um sonhador.
Prémios (seleção):
- Prémio Mestre Manuel Pereira, 1959;
- 1º Prémio no concurso para a Medalha da Inauguração da FCG, 1969;
- 1º Prémio do concurso para a Medalha do Concurso de Projectistas e Consultores, 1973;
- Prémio da 1ª Bienal de Escultura das Caldas da Rainha, 1985;
- Prémio SNBA, 2001;
- Ordem de Bernardo O’Higgins – grau de Comendador, 2005;
- Ordem do Infante – Grau de Comendador, 2006.
O escultor cria estruturas que se inserem no movimento vanguardista – isto é, contemporâneo – de uma forma geral. A tradição simbolista paira sobre muitos dos seus trabalhos pelo imaginário poético e simbólico que os informa. Alega sentir-se inspirado pela arte românica (da Idade Média) na sua geometrização, e pela escultura dos artistas por Henry Moore, Alexander Calder e Picasso. As formas e volumes das peças de Aurélio são normalmente geométricos e organizados espacialmente segundo uma rigorosa disciplina que tem como objetivo a relação da escultura ora com o espaço onde se vai inserir, ora com o espetador. Como característica principal da sua obra seleciona-se a versatilidade, surgindo como artista de obra multifacetada, e por vezes até contrastante. Em termos tecnológicos, recorre aos mais distintos materiais, desde os industriais como o betão, metal, ferro, arame e aço; passando pelos clássicos pedra e bronze; elementares madeira e barro; até aos elementos naturais como canas. Em termos de dimensão e disciplina o seu trabalho estende-se da escala monumental pública à pequena medalha. Esta flexibilidade encontra raiz no próprio posicionamento do artista, que confessa incapacidade de se fixar numa estética única, devido à «grande sensibilidade ao mundo que me rodeia». Afirma ainda: «não sou capaz de estar estável, não sou capaz de impor seja o que for a um mundo que é de tal maneira rico e de tal maneira absorvente», «estou permanentemente motivado para coisas novas, coisas diferentes» (José Aurélio entrevistado por Rogério Ribeiro, In, AAVV:1989). Relativamente a encomendas, o artista declara: «[um profissional] deve contemplar a problemática da encomenda e responder a ela»; «é preciso simbolizar uma determinada efeméride, acontecimento, condicionalismos do local, económicos, dúzias de problemas, que obrigam a uma resposta global. Estas questões desencadeiam em mim um processo criativo de resposta que é sempre novo»; «respondendo em várias direcções, é um percurso de pesquisa, do sentido e do significado, daquilo que se está a pretender evocar; é o facto em si que me conduz às soluções. Por isso as soluções são sempre diferentes. Eu nunca imponho uma estética pré-definida à peça que estou a fazer: ela, no final, é o resultado do caldeamento de todos os dados». (“Uma conversa na Quinta da Preta”, In, AAVV:2001). Podemos então perceber que a variedade da obra de José Aurélio provém do gosto do exercício imaginativo permitido pela variação dos temas, processos e meios. Cada escultura é conceptualizada e produzida aproximando a visão autoral interior a uma ideia imposta exterior e à plasticidade própria dos materiais, resultando sempre em novidade. O artista sublinha também uma «grande obsessão pela tecnologia»: «Para mim, os materiais, as tecnologias, o fazer, o saber como se faz é o mais importante!». Esta paixão pelas estruturas conduz à participação ativa nos processos mecânicos de criação das formas: anda pelas fábricas, armazéns e hangares; sobre andaimes e escadotes. O seu gosto na procura de respostas novas à expressividade dos materiais faz também com que não caia em simbolismos primários ou que possam ser redundantes. Isto é, não reforça símbolos velhos e cansados, como seriam, no caso da Paz, as estereotipadas pombas e folhas de oliveira, gaivotas ou papoilas. Vai mais profundamente na reflexão de como a representação de determinado tema pode ser mais eficaz e originalmente expressa.
José Aurélio
Imagens cedidas pela Casa da Cerca - Centro de Arte Contemporânea
O TEMA: A PAZ
A paz como tema desta escultura
«A PAZ É UM VALOR SUPREMO DO NOSSO TEMPO»
«ela [a escultura de Almada] é um trabalho que tem um tema delicado, a Paz. Mas o que é a Paz? A Paz é, talvez, o conceito mais abstrato que pode existir; é quase tão abstrato como a Liberdade». (José Aurélio, “Uma conversa na Quinta da Preta”, In, AAVV:2001).
Algumas interpretações possíveis desta obra são:
-Pode pensar-se um acordo entre o sentido da escultura e o sentido dado ao parque, ambos um novelo livre de caminhos sem destino comum. Neste sentido, a escultura não funciona como elemento externo ali colocado, mas ilustra o entendimento do próprio espaço onde se encontra. Nas palavras de Fernando de Azevedo, «A ideia do monumento à Paz é (…) como um sublinhado do lugar» (AZEVEDO:2001).
-Pode também evocar «a universalidade que a própria paz representa» com o seu movimento ondulante, envolvente e ascensional (LIMA:2006).
-As intrincadas relações entre os braços de aço podem sublinhar a complexidade e dificuldade que muitas vezes caracterizam os caminhos de paz entre os homens.
-Por outro lado ainda, lembrando as raízes e ramificações de uma árvore – e sendo Árvore da Paz o título original da escultura – funciona ambivalentemente, ciclicamente, e com mais do que um caminho possível, características comuns tanto à natureza como à paz.
O termo “paz” deriva de duas palavras latinas: pacem e pax, diferindo os seus possíveis significados desde “um estado de calma, tranquilidade, harmonia; ausência de perturbações e agitação” a “ausência de violência, guerra, conflito, hostilidade”. Concentremo-nos neste último entendimento. Alguns conceitos pensados pelos teóricos e académicos que informa o atual entendimento da Paz como valor são: - paz positiva / paz negativa : evocada inicialmente por Martin Luther King Jr na Carta da Prisão de Birmingham (1963), onde escreve que «a paz negativa é a ausência de tenção» e «a paz positiva é a presença de justiça». Esta oposição segue que a paz é muito mais que a ausência de guerra, «é sinónimo de sociedades resilientes e estáveis, onde todos podem prosperar e desfrutar das suas liberdades fundamentais» (ONU). Isto é, a paz é constituída pela ausência de guerra e pelos requisitos para o estabelecimento de relações baseadas na justiça, respeito mútuo e cooperação. Por outras palavras, a paz positiva não coloca o foco exclusivamente na cessação da violência mas também na prevenção, sendo assim mais segura e estável. - “peacebuilding”: um sistema que crie paz sustentável através de direção às causas raiz do conflito e do apoio à capacidade local para gestão da paz e resolução de conflitos. - teoria da paz democrática: afirma uma equivalência entre democracia e paz, no sentido em que as nações democráticas vão sempre procurar abster-se de guerra com outas nações democráticas Após a II Guerra Mundial, momento em que a Europa se encontrava dilacerada por duas grandes guerras, a vontade de cooperação internacional conduziu à criação, em 1945, da Organização das Nações Unidas (ONU), cujo principal e primordial propósito era «salvar as futuras gerações do flagelo da guerra». Não apenas a ONU, mas centenas de outras entidades, indivíduos e ONGs têm sido responsáveis por esforços de restauração da paz no desencadear de conflitos armados; por estratégias de prevenção de conflito armado, como a diplomacia e o desarmamento; e por apoio de países que emergem de conflitos bélicos no fortalecimento das capacidades nacionais da gestão. Recomendamos o visionamento da última cena do filme de Charlin Chaplin O Grande Ditador (1940), em cujo discurso se sublinham muitos dos aspetos fundamentais da procura da paz, estado que inclui a vida em liberdade, harmonia e entreajuda entre todos: https://www.youtube.com/watch?v=geOQWt5tsbY